26/11/2014

Escrever como um escritor. Quem não gostaria?

Para muitos leitores, um escritor é um ser dotado de habilidades especiais, quase mágicas.  Há vários escritores que abordam esse mito e escreveram a respeito do assunto. 

Clarice Lispector, por exemplo, fazia questão de ser vista como amadora e não como escritora profissional. Já para Mia Couto, todo escritor deveria também exercer uma outra profissão. Esse foi o caso de grandes escritores como Guimarães Rosa e Moacyr Scliar que, paralelamente à literatura, também exerceram a medicina.

Vejam só esta crônica de Scliar sobre o ofício de escrever.

Vinte e uma coisas que aprendi como escritor

APRENDI que escrever é basicamente contar histórias, e que os melhores livros de ficção que li eram aqueles que tinham uma história para contar.

APRENDI que o ato de escrever é uma seqüela do ato de ler. É preciso captar com os olhos as imagens das letras, guardá-las no reservatório que temos em nossa mente e utilizá-las para compor depois as nossas próprias palavras.

APRENDI que, quando se começa, plagiar não faz mal nenhum. Copiei descaradamente muitos escritores, Monteiro Lobato, Viriato Correa e outros. Não se incomodaram com isto. E copiar me fez muito bem.

APRENDI que, quando se começa a escrever, sempre se é autobiográfico, o que - de novo - não prejudica. Mas os escritores que ficam sempre na autobiografia, que só olham para o próprio umbigo, acabam se tornando chatos.

APRENDI que, para aprender a escrever, tinha de escrever. Não adiantava só ficar falando de como é bonito ( ... )

APRENDI que uma boa idéia pode ocorrer a qualquer momento: conversando com alguém, comendo, caminhando, lendo (e, segundo Agatha Christie, lavando pratos).

APRENDI que uma boa idéia é realmente boa quando não nos abandona, quando nos persegue sem cessar. O grande teste para uma idéia é tentar se livrar dela. Se veio para ficar, se resiste ao sono, ao cansaço, ao cotidiano, é porque merece atenção.

APRENDI que aeroportos e bares são grandes lugares para se escrever. O bar, por razões óbvias; o aeroporto, porque neles a vida como que está em suspenso. Nada como uma existência provisória para despertar a inspiração literária.

APRENDI que as costas do talão de cheque é um bom lugar para anotar idéias (é por isso que escritor tem de ganhar a grana suficiente para abrir uma conte bancária). O guardanapo do restaurante também serve, desde que seja de papel e não de pano. (...)

APRENDI que o computador é um grande avanço no trabalho de escrever, mas tem um único inconveniente: elimina os originais, os riscos, os borrões, e portanto a história do texto, a qual - como toda história - pode nos ensinar muito.

APRENDI que a mancha gráfica representada pelo texto impresso diz muito sobre este mesmo texto. As linhas não podem estar cheias de palavras; o espaço vazio é tão eloqüente quanto o espaço preenchido pela escrita. O texto precisa respirar, e quando respira, fica graficamente bonito. Um texto bonito é um texto bom.

APRENDI a rasgar e jogar fora. Quando um texto não é bom, ele não é bom - ponto. Por causa da auto-comiseração (é a nossa vida que está ali!) temos a tentação de preservá-lo, esperando que, de forma misteriosa, melhore por si. Ilusão. É preciso ter a coragem de se desfazer. A cesta de papel é uma grande amiga do escritor. (...)

APRENDI a não ter pressa de publicar. Já se ouviu falar de muitos escritores batendo aflitos, à porta de editores. O que é mais raro, muito mais raro, são os leitores batendo à porta do escritor.

APRENDI a não reler meus livros. Um livro tem existência autônoma, boa e má. Não precisa do olhar de quem o escreveu para sobreviver.

APRENDI que, para um escritor, um livro é como um filho, mas que é preciso diferenciar entre filhos e livros.

APRENDI que terminar um livro se acompanha de uma sensação de vazio, mas que o vazio também faz parte da vida de quem escreve.

APRENDI que há uma diferença entre literatura e vida literária, entre literatura e política literária. Escrever é um vício solitário.

APRENDI a diferenciar entre o verdadeiro crítico e o falso crítico. O falso crítico não está falando do que leu. Está falando dos seus próprios problemas.

APRENDI que, para um escritor, frio na barriga ou pêlos do braço arrepiados são um bom sinal: um livro vem vindo aí.

30/01/2014

Um mundo sem histórias


Li recentemente no jornal inglês The Guardian um artigo que nos convidava a pensar no que seria um mundo sem histórias. A autora do texto, Rachel Cooke, nos coloca diante de uma verdade incômoda: estamos lendo cada vez menos. Livros são comprados mas nem sempre lidos. Ao que parece, tornaram-se apenas mais um objeto a ser consumido e que logo após a compra são abandonados, deixando de transmitir o seu conteúdo.

Após a leitura do texto, fiquei pensando no papel da escrita na vida contemporânea. Será que o ato de escrever sobreviverá? Não estou pensando nos escritores "profissionais", aqueles que não podem viver sem escrever e fazem da palavra escrita o seu modo de vida. Penso nas pessoas comuns, nos meus alunos, nos meus amigos, nas pessoas à minha volta. A leitura de um livro requer tempo, algo cada vez mais fugidio e escasso diante de tantos apelos, tantas escolhas, tantas formas de...passar o tempo. E a escrita? Que papel tem ou terá o ato de escrever na vida das pessoas do século XXI?

Deixo vocês com essa pergunta e a bela crônica de Rubem Braga, um grande mestre da arte de escrever.